terça-feira, dezembro 28, 2004

Balanços e "to do lists"...

Quando acaba um ano fazem-se sempre balanços, dos acontecimentos mais marcantes, daqueles que nos vão fazer lembrar de mais um ano que finda pela positiva, ou daqueles que nos fazem querer ser senhores do tempo e riscá-los do calendário das nossas vidas.
Há os pessoais e há os que a todos marcam.
A tragédia sem precedentes na Ásia encerra o ano numa nota de profunda tristeza, faz-nos pensar na fragilidade do ser humano ante a capacidade destruidora da Natureza, que teima em dar-nos lições de humildade apesar dos nossos muitos ( e infelizes) esforços para igualarmos a sua capacidade de destruição.
Mas ficam, deste ano que agora termina, imagens e sons da onda de patriotismo que varreu o país durante o Euro 2004, do sentimento de euforia que a todos, sem excepção ( até a mim, dona de um alheamento futebolístico e clubístico de que poucos se podem "gabar") contagiou.
Bush, Bush.
Michael Moore.
Iraque.
Bush vence as eleições norte-americanas.
Não há balanço (ou so called balanço) que possa, em bom rigor, esquecer o que foram as eleições norte-americanas mais vividas pelos Europeus de sempre.
Também, à nossa escala, se agitaram as águas, entre a nomeação de um Português para o prestigiado cargo de Presidente da Comissão Europeia, a indigitação de um novo primeiro ministro, quatro meses de violência contra um recém nascido indefeso e a queda de um governo, muito se pensou, disse, discutiu.
E mais, muito mais.
Mas alegremente se findam os anos, comem-se as passas, enquanto se fazem "to do lists" quase sempre pretensiosas e inantigíveis que depressa esquecemos assim que termina o mês de Janeiro.
Sou, contudo, uma confessada apologista das to do lists.
Dou largas à minha imaginação e penso numa míriade de coisas que provavelmente não vou fazer, mas que fervorosamente queria fazer...
Deixar de fumar, ir mais ao ginásio e deixar de ser benemérita...
O gozo da coisa está na convicção algo pueril de que vamos mesmo fazer tudo o que está na nossa lista, ignorando olimpicamente o facto de que boa parte da dita lista é "transportada" para o ano seguinte...

Still don't get it...

.

For better but mostly for worse...

terça-feira, dezembro 21, 2004

Beneméritos...

Há uma nova classe de beneméritos em Portugal, que só não têm ainda direito às costumeiras plaquinhas ofertadas por ocasião de avultadas doações.

Classe esta em que me incluo, pelo que a minha experiência legitima que me pronuncie, e dentro da qual conheço ínumeros membros, o que me legitima, por outro lado, a considerar esta como uma classe emergente.

Trata-se de pessoas tidas como normais, que na ânsia de encaixarem num determinado padrão estético se propõem atingir objectivos feridos de uma impossibilidade originária.

Estas pessoas inscrevem-se em ginásios que nunca tencionaram frequentar, pagam mensalidades absurdas, e não usufruem dos serviços que custeam todos os meses.
Este estado de coisas tende a prolongar-se por vários meses, suportado pelo reconhecido e conhecido fenómeno psicológico do débito invísivel...esse mesmo, aquele em que nos é debitado um determinado valor na nossa conta ao longo de vários meses sem que, extraordinariamente, consigamos dar por ele...é o chamado débito invisivel com raízes apenas numa algo perturbadora (mas decididamente conveniente) alienação em relação ao saldo bancário...

Porquê? Caridade, Filantropia, Hipermetropia(?)...Who cares? Reconheça-se esta classe de excélsios beneméritos e encomendem-se as plaquinhas...

I beg your pardon?


"Salvem a Siesta"

Já não é o "make trade fair", ou o "perdoem as dívidas externas" ou o protocolo de Kioto...nada disso...a próxima bandeira do movimento anti-globalização que promete assegurar muitas cabeças partidas no próximo evento que reúna os "Grandes" é a "Salvem a Siesta"...

O diário britânico The Independent aponta a globalização como a grande causa para o fim da tradição espanhola da sesta.

Em comunicado da Independent Association, menciona-se que "com tantas multinacionais a operar em Espanha, os empresários não podem abandonar os locais de trabalho".

"Os estudos revelam, aliás, que os espanhóis dormem uma hora a menos por dia do que a média dos europeus", anunciou o director da associação, Fernando Buqueras y Bach, que atribui a esse menor descanso os acidentes na estrada, em casa e no trabalho.

"Uma interrupção de duas horas à tarde poderia ser positiva para a mente e para o corpo, mas não para os negócios em Espanha", acrescenta esta publicação britânica.

O jornal refere, por último, que os espanhóis "terão que aprender a jantar a horas civilizadas como o resto da Europa, ou os restantes europeus terão que adoptar a prática da sesta".

Esta última faria maravilhas à produtividade nacional...

Já consigo imaginar as manifs do movimento anti-globalização, em que, por coerência com a causa a defender, vai ser instituída uma paragem obrigatória de duas horas para que os manifestantes possam dormir a sesta, à revelia dos costumes impostos pelas maléficas multinacionais...

Patologia blogosférica...

"É espantosa a ignorância de quem passa a vida a querer educar os outros com o hábito fatal de comunicar as suas opiniões."
Oscar Wilde

Só acredito porque és mulher...

"Já dormi com muitas mulheres e nenhuma se queixou..." Angelina Jolie dixit


domingo, dezembro 12, 2004

Sinergias I ("the first thing we do is kill all the lawyers")

Ligações... pontos de contacto... há os inusitados, os esperados, aqueles que ninguém identifica imediatamente mas que todos suspeitam existir, e ainda aqueles que todos reconhecemos enquanto tais, quase intuitivamente. Proponho-me lançar luz sobre alguns.

Albert Camus tem nos seus "Carnets" um curioso apontamento: "The atraction that certain minds feel for the law and the abusurdity of its workings. Gide, Dostoyevsky, Balzac, Malraux, Melville, etc. Try to find why."

Com Camus, também me interrogo sobre as sinergias entre a Literatura e o Direito.

É indesmentível a atracção que os profissionais do direito exercem sobre a literatura.

O acolhimento que merecem os causídicos e os profissionais do foro em geral nem sempre é o melhor, como aliás nos esclarece Henri Robert,

"A maior parte das vezes o advogado não tem bom acolhimento na literatura. Representam-no ordinariamente sob a figura de um insuportável grulha, espertalhão. amando a chicana, as velharices, os autos, hábil para sustentar todas as causas, alegando a inocência mesmo quando está convencido da culpabilidade."
Shakespeare também não morria de amores pelos juristas e em especial pelos advogados, em Henrique VI, 2ª parte, acto IV, cena II, Ricardo, o cortador de Ashford, dirigindo-se ao rebelde João Cade diz: "The first thing we do is kill all the lawyers."

Será a relação entre Direito e Literatura concebível e até desejável ou incomportável face às exigências de um legalismo estrito?

A compreensão de uma norma jurídica, do conteúdo de um acórdão ou de qualquer texto doutrinário pressupõe necessariamente o hábil manejo da principal ferramenta de um jurista: a linguagem, as palavras.

Justiça e Literatura partilham o terreno da vida, dos conflitos sociais, da relação dos homens com o justo e com a norma, as regras de interpretação dos textos e a retórica.

A Justiça oferece, não raro, à Literatura a matéria àspera para o seu trabalho de produção estética e artistíca.

A Literatura oferece à Justiça a reflexão sobre o comportamento humano e social, e também, sobre a lei, o fenómeno judiciário e as suas práticas.
A Literatura e o Direito não surgem, portanto, nos termos de uma relação inconciliável, antes frequente e até desejável, pelas possibilidades que representa.

Estas são algumas das questões de que se ocupa o "law and literature movement" , com particular enfoque nos EUA, e que congrega numerosos apoiantes e seguidores, na magistratura inclusive, mas também ferozes criticos que questionam a relação entre o Direito e aLiteratura e a utilidade do seu estudo académico.

Mas não só como disciplina académica, do ponto de vista comercial também é interessante observar como se cruzam os dois mundos, o sucesso comercial de Johh Grisham com os sete milhões de exemplares vendidos pela "Firma" e os milhões de dólares em "authorship rights" pela adaptação cinematográfica dos seus filmes são disso exemplo.

Os livros de Grisham são simples e acessíveis, thrillers bem escritos sobre o aparelho judicial norte americano e advogados ocupados com causas complexas envolvendo dilemas morais agudos.

Despertam o imaginário de milhões para a advocacia.

Eça de Queirós, Camilo Pessanha, Vinicius de Morais, Moliére, Kafka, Goethe, Walter Scott, Vasco da Graça Moura...todos ilustres juristas e escritores, ensaístas, dramaturgos.

Não se me oferecem dúvidas sobre as sinergias entre o Direito e a Literatura, como refere Joana Aguiar e Silva: "mergulhar em hábitos de leitura, ou, ainda melhor, em mais cuidadas análises literárias, pode contribuir para dotar o jurista destas alternativas formas de racionalidade, apurando a sua capacidade imaginativa e a sua inteligência empática."

sexta-feira, dezembro 03, 2004

There are no truces with the furies

Ás vezes descubro poemas e poetas até então para mim desconhecidos e reconheço-me neles de forma tão incontornável que não consigo evitar o sentimento algo patético de achar que são o meu eco.

Neste caso, o meu eco contra a passividade.

"The furies are at home in the mirror, it is their address
Even the clearest water can drown, if deep enough
Never think to surprise them
Your face approaching
Ever so friendly is the white flag they ignore
There is no truce with the furies

(A mirrors temperature is always at zero)
It is ice in the veins
Its camera is an x-ray
It is a chalice held out to you in silent communion
Where you gaspingly partake of a shifting identity
Never your own

There are no truces with the furies
For they are their own enemy
Always at guard, perhaps the enemy will attack?
Always a gun in the hand,
an ice-cold hand,
An iron hand that stretches over a blanket of lost souls
No individuals, only barcodes

No real souls,
only ideal models
I can feel the gas,
the furies breath
The clearest water, toxicated.

The white flag, only a member left
One can almost feel the eyes
An everlasting gaze from such cold eyes
You can feel the burn in our eyes
Only a lost world
Science, we are science
A failed project called life, terminated, re-recorded aliens..."


R.S. Thomas

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Em Fevereiro de 2005...

Em princípio, serão convocadas eleições antecipadas para o mês de Fevereiro de 2005, e, em princípio sairá o Partido Socialista vencedor das próximas eleições.
O que não é necessariamente bom.
Note-se que nem o próprio PS aviltou a possibilidade de se convocarem eleições antecipadas, que, em bom rigor, não representam uma vitória para qualquer dos partidos do espectro político e muito menos para o País.
O Presidente da República decidiu, com alguns meses de atraso, e desta feita sem ouvir ninguém, que este governo não tinha condições para continuar à frente dos destinos do País.
Ficar-me-à na memória que o "agente provocador" foi um mui polémico ministro do desporto, que em declarações virulentas contra o chefe do Executivo, agitou a consciência do nosso Presidente da República e o impeliu, em face de mais uma trapalhada, a dissolver a AR e a convocar eleições antecipadas.
Ficar-me-à na memória que foi este "acontecimento" que fez cair o governo, dando mostras quer da impaciência de Sampaio, quer do mal estar e debilidade do governo.
E o que se segue, um PS com maioria absoluta?
Um PS com maioria relativa?
Nenhum dos cenários, em face desta precipitação para as urnas, se me afigura como desejável.
Maioria absoluta e um PS desfragmentado, com um líder que não convence, sem programa de governo capaz, que nem poderia ter ante a rapidez na mudança do cenário, e que reconhece não ter ou não tivesse nem sequer pedido na AR a convocação de eleições antecipadas.
Maioria relativa e a espada pendente da ingovernabilidade, só contornada pela celebração de alianças partidárias à esquerda, com o PCP? com o BE?
Incerto o futuro, mas certa apenas a "awful mess" em que nos encontramos, o desencanto da falta de alternativas, superadas e superáveis em desencanto apenas pela recorrente utilização do critério "à falta de melhor" na escolha daqueles que nos representam.